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A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO

A CAUSA REAL NO DISTRITO DE AVEIRO
Autor: Nuno A. G. Bandeira

Tradutor

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A CHEGADA DA ESPINGARDA AO JAPÃO


Foto de Nova Portugalidade.


A chegada da espingarda à ilha de Tanegaxima, conhecida por isso, como "a ilha da espingarda", marca o início das relações luso-nipónicas e da época Namban. 



"Pouco se sabe acerca do episódio de Tanegaxima, mas parece que se tratou de um desembarque ocasional e que os aventureiros iam embarcados num navio Chinês. Quanto à identidade dos protagonistas existem duas versões: por um lado, a de António Galvão (...) que indica António da Mota, António Peixoto e Francisco Zeimoto; por outro a de Fernão Mendes Pinto (1510-1583) que chama a si o cometimento na companhia de Cristóvão Borralho e Diogo Zeimoto."*1 Toma-se por certo, que a chegada destes três chicocogins, numa embarcação chinesa a essa mesma ilha, do Sul do Japão, de facto, existiu. Existem duas versões portuguesas, mais outra japonesa - Teppô-Ki (Livro da espingarda) escrita por um monge budista de Satsuma, Dairiuji Bunji, a pedido do filho do governador da ilha, Hisatoki, anos depois do ocorrido - mas todas elas com pontos semelhantes, que vão ao encontro da data, que se estima de 1543. Fernão Mendes Pinto terá escrito o que viveu ou aquilo que lhe pediram para escrever, colocando-se na primeira pessoa. Este, que terá sido, talvez, o exemplo acabado do aventureiro português do século XVI, e cujas aventuras pelo mundo português do Oriente estão narradas, tomou, pois, em mãos a tarefa de recontar um dos mais importantes momentos das nossas andanças na Ásia: a chegada ao Japão.

Percorrendo mares nunca antes navegados, estes marinheiros chegam ao sul do arquipélago nipónico, na actual província de Kagoxima, ao sul de Kyuxo, a uma das ilhas do arquipélago de Ōsumi. Aportando, são recebidos pelos locais e fazem relação com o governador da ilha, Tokitaka, o 14º Nautaquim de Tanegaxima. Depois de alojados, um dos três, possivelmente um tal de Diogo Zeimoto, pega num pequeno arcabuz que trazia consigo e sai à rua. Com ele, dois japões, que o acompanham, observam-no a atirar a uma "grande soma de aves"*2 que se escondia na vegetação. De facto, terá abatido, mais pássaro menos pássaro, vinte e seis rolas. Para os autóctones, que nunca antes haviam admirado um arma de semelhante alcance ou poder de fogo, é enorme a surpresa. Todos espantados com tal proeza, Zeimoto é chamado à presença do governador, que mostra grande interesse em perceber o que era mesmo a espingarda, e tenta logo comprá-la. Ora, esta espingarda, ou arcabuz, tratava-se de uma arma feita em Goa, com base no sistema de fecho de mecha (mecha Indo-Portuguesa), e cuja reprodução no Japão seria complicada. Não olhando às dificuldades mas aos interesses, Tokitaka manda vir um artesão para tentar reproduzir a arma, trabalho que exige feito com o apoio dos portugueses - para isso, proíbe os europeus recém-chegados de abandonarem a ilha. Entretanto, os três portugueses são levados à presença do daimyo - importante senhor feudal - da Ilha de Kyuxo, para que este visse a arma e arranjasse a melhor maneira de a reproduzir. No mesmo dia, depois de Zeimoto ter de novo mostrado as suas habilidades, o filho do daimyo, que tinha cerca de dezoito anos, quis disparar a arma, mas o seu pai não o permitiu. Nessa mesma tarde, enquanto Fernão Mendes Pinto dormia, o príncipe rouba a arma e tenta disparar. O que saiu mal sucedido. Entupiu o cano com pólvora, e ao disparar, rebenta a mão e fica também gravemente ferido no peito, caindo no chão, ensanguentado. De imediato, grande alvoroço se gerou. Atendendo à situação, sendo os estrangeiros julgados, chamam-se bonzos e curandeiros para curar o rapaz, mas quem acaba de o curar é o próprio Fernão. Depois de mais de um mês nessa ilha, voltaram à ilha da espingarda onde tiveram de permanecer, por perto, cerca de um ano. Encontrando alguns problemas no fabrico, tiveram de mandar vir um ferreiro, do arsenal português, que conseguisse tomar conta do assunto e ensinar, de vez, como fabricar a espingarda, de forma a libertar os três portugueses da ilha.

"As espingardas começaram a ser fabricadas em Tanegashima e depois foram vendidas para o resto do país. Em 1563, o fabrico das armas em quantidade já se estendia às ilhas de Kyûshû e Honshû, com destaque para o porto de Sakai. As armas difundiram-se de forma rápida. (...) no Japão em 1556, na cidade de Fuchéu já existiam mais de 30 mil espingardas, e em todo o país havia mais de trezentas mil. 

As armas foram chamadas de tanegashima-teppô ou tanegashima, e a intenção de Tokitaka era usar as armas na guerra, por isso instruiu os seus vassalos na arte do seu uso, o que deu inicio à difusão das armas de fogo. Para o ensino desta arte, os Japoneses criaram escolas de tiro, que proliferaram pelo Japão, e alguns dos mestres criaram manuais de instrução ilustrados. Estes manuais e as escolas privilegiavam a pontaria sobre a velocidade. Ainda perdura a obra Trinta e Duas Posições de Pontaria, de 1595, da Escola de tiro de Inatomi, como um desses manuais ilustrados."*3 Outro dos mais famosos manuais da espingarda, que contém magníficas gravuras, está no Museu da arte Namban em Osaka.

O Japão vivia uma guerra civil de que não parecida surgir resultado definitivo, e que já durava há mais de um século. Era um país fragmentado e marcado pela competição entre pequenas monarquias autónomas. Nenhum senhor da guerra era era capaz de ganhar vantagem estrategicamente e por isso vivia numa anarquia política. A introdução da espingarda no Japão permitiu que um desses Senhores da Guerra, Oda Nobunaga, do centro do Japão, conseguisse ganhar vantagem marcante sobre os seus adversários. Grande chefe militar, Nobunaga compreendeu como melhor usar a nova arma que os portugueses haviam introduzido, e usou-a para esmagar os que se lhe opunham:

"Daimyo de Owari em 1560, Nobunaga assenhoreou-se da vizinha província de Mino em 1567 e em 1568 entrou na capital para fazer proclamar xogum Ashikaga Yoshiaki (1537-1597). Este, porém, era um joguete nas suas mãos e Nobunaga acabou por derrubá-lo em 1573, pondo fim à dinastia xongunal dos Ashikaga. Desde então até à sua morte em 1582, foi o homem mais poderoso do Japão submetendo à sua autoridade 34 províncias. Quer isto dizer que, ao contrário de todos os outros "sengoku daimyô", Oda Nobunaga foi capaz de romper o equilíbrio estratégico que mantinha a guerra civil num impasse. Nesta sua acção desempenhou um papel fundamental a espingarda (...). Foi aqui, sem dúvida, que se manifestou a genialidade de Oda Nobunaga, pois intuiu as potencialidades da nova arma e tornou-a eficiente dotando os seus exércitos de tiro contínuo: para isso dividiu os espingardeiros em vários grupos que disparavam rotativamente, pelo que enquanto uns faziam fogo, outros recarregavam as suas armas. Foi com esta táctica que destruiu a cavalaria dos Takeda na batalha de Nagashino em 1575, e que consolidou o seu poder no centro do império."*1

Com esta vitória, deu-se uma aceleração evolutiva da história do Japão que abriu portas à unificação definitiva do país, que se daria centenas de anos mais tarde, e a um período de mais de 250 anos de paz. Essa paz deve-se ao arcabuz português.

Na ilha de Tanegaxima, onde é possível que tenham aportado Zeimoto, Borralho e Mendes Pinto, existe hoje, em forma de Nau, o Museu da Espingarda, em memória da chegada dos portugueses e da espingarda, "(...) que conserva em exibição um dos primeiros arcabuzes introduzidos, bem como exemplares das armas de fogo produzidas em diversas regiões do Japão e decisivas para a unificação de um país até então envolto em disputas entre senhores feudais."*4 Também anualmente, na mesma ilha, por Agosto, se organiza o Festival da Espingarda já desde 1969. Este festival, que celebra a memória lusitana, é no fundo um cortejo Nambam que termina, com um concerto de música portuguesa.

O reconhecimento das ligações luso-nipónicas é bem vivo. Apesar de pouco divulgado, pela espingarda, como na gastronomia e no vocabulário, a presença cultural portuguesa faz-se sentir; com efeito, a língua portuguesa é a terceira, após o japonês e o coreano, do país, e é mesmo oficial em várias municipalidades japoneses. Assim continue a haver boa vontade para a manutenção das relações entre dois países, distantes, mas de História tão fortemente interligada.

*1 COSTA, João Paulo Oliveira e. I - O Comércio, Portugal e o Japão - O século Namban. Imprensa Nacional da Casa da Moeda, EP 1993.
*2 Pinto, Fernão Mendes. Expressão usada no Capítulo CXXXIV, Peregrinação. Edição fac-símile; A Bela e o Monstro, Edições 2014. 
*3 PEREIRA, Carla. Produtos Espingarda (Impacto no Japão). FCSH, Lisboa.
*4 Tanegashima comemora os 470 anos de amizade entre Portugal e Japão – Museu da Espingarda e Cabo Kadokura,www.embaixadadeportugal.jp, acedido em: 2017/08/29.

Tomás Severino Bravo

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